“O povo de Israel se acampou em Gilgal e eles observaram o Pesach no décimo quarto dia do mês, nas planícies de Jericó. O dia após Pesach eles comeram o que a terra produziu, matzah e espigas tostadas de grão naquele dia. No dia seguinte, após eles terem comido alimento produzido na terra, o maná cessou. Desde então o povo de Israel não mais teve maná; ao invés disso, aquele ano, eles comera o produto da terra de Canaã.” Josué 5:10-12
O ponto deste artigo não é quando nós trazemos o Omer, mas ao invés disso se nós podemos usar Josué 5 para argumentar por uma data. Contudo, a discussão de quando nós começamos a contagem é inevitável. Eu vou também notar, antes de nós começarmos, que existem diferentes opiniões entre estudiosos sobre como tratar esse assunto e o ponto aqui é dar outro ponto de vista, sem ofender ninguém ou criar animosidade.
A Questão
Existe uma questão se ou não a contagem do Omer, de acordo com a prática Karaíta, é do primeiro Shabbat, não importa o que, ou ele tem que ser o primeiro Shabbat após o primeiro dia da festa. Qual “manhã após o Shabbat” em Levítico 23 é a correta?
Deixem-me explicar: Levítico 23 afirma que é uma manhã após o Shabbat, mas não explica qual Shabbat. O artigo definido השבת não necessariamente significa O Shabbat, mas ao invés disso Um Shabbat (uma função às vezes desapercebida). Isto significaria que nós não estamos procurando por nenhum dia específico, como argumentado pelos Fariseus (primeiro dia) ou Etíopes e o Pshita (último dia). Assim, mesmo se nós dissermos que é em um atual Shabbat, qual vai ser, se o primeiro dia é também um domingo? Este é o caso que nós tivemos em anos passados, onde o domingo é também o primeiro dia de acordo com o a lua avistada. Em casos mais comuns, nós geralmente contamos após o primeiro dia dos Pães sem Fermento. Contudo, é preciso que seja após o dia da festa? Nós estamos acostumados a ter a contagem iniciando-se após o primeiro dia e não durante, mas existe realmente uma necessidade para que seja depois?
Alguns usam Josué 5 para argumentar que o Omer pode cair no primeiro dia, mas Josué não menciona o Omer, porém o Maná, fazendo a referência conectada com o Maná e não com o Omer. Será apontado que alguém pode argumentar que o Omer era também feito no 15º após o Pesach e o texto foca no Maná por causa de sua conexão com o Êxodo e a entrada na terra. Contudo, deve ser dito que porque Josué 5 é sobre o Maná e não o Omer, é principalmente uma assunção que os versículos em Josué 5 possam ser conectados ao Omer. É também uma assunção que isto foi após um Shabbat. Eu acho que é melhor se ater aos versículos em Levítico e não Josué.
Levítico 23
Como afirmado, nós tendemos a pensar que nós começamos a contagem após o primeiro dia da festa porque este é o caso usual. Contudo, onde está dito em Levítico que é assim que é feito? Mais, quando você lê atentamente os versículos não existe clara conexão entre a Festa dos Pães Sem Fermento e o Omer. A abertura do versículo 10 afirma “quando você entrar na terra”. A cláusula de abertura condicional com כי afirma que o ato do Omer é feito na terra, após entrar na terra, e não é descrito como uma sucessão da Festa dos Pães Sem Fermento, mas como um resultado de estar na terra. O Omer é o precursor da Festa das Semanas e não é o sucessor da Festa dos Pães sem Fermento. A afirmação real na Torah é que você começa a contagem quando você começa a colheita, independentemente de datas. Esta é uma realidade agrícola que até mesmo o calendário de Levítico aceita. Por causa disso, é possível para o Omer ser trazido no 15º do mês. Assim, não existe necessidade de esperar que o primeiro dia passe.
É importante notar que as diferentes seções de Levítico 23 são de diferentes assuntos, mas ainda são parte do ciclo de festas. Ambos, a Festa dos Pães Sem Fermento e o Omer estão conectados pelo Aviv, contudo essa conexão é limitada ao mês e não à semana. Ambos os atos são feitos durante o mês de Aviv, mas nada no texto os liga um ao outro como sendo parte de uma grande unidade. Eles estão conectados da mesma forma que as festas do 7º mês, por serem parte do mesmo mês (note que em ambas as seções nós temos um ciclo de 3 partes). É especulado que Yom Teru’a é um precursor para Yom Hakippurim (Dia das Expiações) e que Yom Hakkipurim é um para Sukkot (Festa das Cabanas), mas isto ainda não é evidência que o Omer é parte da Festa dos Pães Sem Fermento.
O versículo 11 afirma que o Omer é trazido da primeira colheita, Deuteronômio 16:9 afirma que o tempo se inicia quando a foice começa no feixe. Em ambos os lugares o tempo de referência é a colheita e, em ambos os lugares, nenhuma palavra/frase de ligação é dada conectando o Omer à Festa dos Pães Sem Fermento. Deuteronômio até mesmo coloca o Omer com a Festa das Semanas como uma unidade, o que claramente indica que eles são atados um ao outro, e que a Festa dos Pães Sem Fermento não é parte desta estrutura.
Palavras
Em Josué 5 nós notamos que as palavras escolhidas para a descrição apenas usam parte das mesmas palavras que Levítico 23 e a maioria delas é usada de uma maneira formulada devido à forma que o Hebraico é falado.
a) O versículo 11 usa as palavras “neste mesmo dia”. Eu argumento que Josué 5 não está necessariamente repetindo Levítico 23, mas é uma forma usada para enfatizar que a ação foi feita naquele mesmo dia com grande zelo (veja exemplos em Gênesis 7, Levítico 23 várias vezes e Metsodat Tsiyon sobre o versículo). Por que ênfase e zelo? Porque através de comer dos grãos da terra Josué e o povo estão fazendo um ponto de possessão da terra. Note como o fim do verso 12 aponta que eles comeram dos grãos da terra de CANAÃ naquele ano. Leis agrícolas até este mesmo dia dizem que se alguém ceifa ou trabalha a terra é por lei de possessão possuída pela pessoa trabalhando na terra. Tal é o caso em Números 21:22 onde Moshé diz que eles não vão tocar nada na terra de Moab. Isto não é só porque ela não pertence a eles e isto pode reduzir sua comida e água (para não mencionar deixar um inimigo potencial passar através de sua terra), mas porque este ato pode trazer um argumento de possessão dos campos e poços. Moshé foi ingênuo em pedir isto? Não, a esperança era que Moab ignorasse a ameaça potencial de Israel, mas também fez uma promessa que eles de forma alguma ameaçariam o clamor de Moab à terra.
b) Palavras para alimento – A única palavra usada no texto que se repete em Levítico é קלוי – grãos tostados. Contudo, o resto das palavras כרמל, גרש e, mais importante, לחם – pão não são repetidas. Josué afirma que eles apenas comeram קלי e מצות. Embora alguém possa argumentar que Matzot são uma forma de Lechem (pão), se o texto está falando sobre a mesma coisa ou indicando Levítico 23, por que não usar as mesmas palavras? Usar apenas uma palavra não é um argumento forte o bastante para ligar dois textos a menos que seja uma palavra chave. Por outro lado, a palavra chave mais repetida é עבור – produto, fazendo o ponto do texto o comer da terra imediatamente após
eles serem aptos a manter as leis da Torah (que são a chave para herdar a terra). Através da circuncisão e de fazer o Pesach – a aliança de Abraão e a lembrança do Êxodo, eles estavam mostrando sua lealdade à aliança que iria dar a eles a terra (para mais opiniões veja Rosh HaShana 13:a, Kidushin 37-38, Radak sobre o versículo).
Estrutura
Parte do meu argumento contra usar Josué é também como ele é estruturado. A conexão muito clara entre os assuntos dos versículos 11 e 12 pode ser vista no paralelismo do texto:
“No dia após o Pesach, naquele mesmo dia, eles comeram um pouco do produto da terra: pães sem fermento e grãos tostados. O maná parou no dia após eles terem comido esse alimento da terra; não houve mais maná para os Israelitas, mas naquele ano eles comeram o produto de Canaã.”
A estrutura apresentada mostra que nós podemos quebrar os versículos 11 e 12 em um parágrafo rítmico, onde cada seção termina com a mesma ideia de ênfase de tempo. Ambas as seções estão ligadas uma à outra por forma e uso de modificadores temporais, fazendo-os sobre a mesma coisa. O tema é comer da terra devido ao Maná ter parado. A preposição ב em באכלם segue a palavra ממחרת que não é um dia diferente de quando eles comeram, mas o mesmo dia. Eles comeram da terra e ao mesmo tempo o Maná parou (isto sem mencionar as palavras repetitivas entre os dois versículos que claramente indicam que eles são um e o mesmo). Note que a divisão dos versículos provavelmente veio em um tempo muito mais tardio e estes dois versículos podem ter sido lidos como uma seção (E.Tov Textual criticism; Hebrew p.40). Isto demonstra que o texto é entendido para apontar o tema principal do livro – a conquista da terra.
Se o texto estivesse indicando para alguma coisa na Torah, alguém poderia argumentar que porque a história de Josué é uma continuação da história do Êxodo, isto estaria referenciando a aquilo. Nós podemos encontrar as palavras הפסח ממחרת em Números 33:3 e nós encontramos הזה היום בעצם em Êxodo 12:41.
É também importante notar que a afirmação é sobre comer, não colheita. Colheita é parte do processo que começa com a contagem e esta ideia não está presente no texto. Nós também vemos que o comer era durante o ano e não está apontando para os detalhes do mês de Aviv.
Mais um ponto é de onde vem o Omer? O Omer é parte da ação de graças dada a YHWH por ter a terra. O texto em Levítico 23 usa o sufixo pronominal (2º masculino plural) כם como possessão da colheita. O ato de comer era um ato de possessão, mas a colheita em si não era aquela da terra possuída. Este é um bom argumento que diferencia entre a colheita que cresceu quando você possui a terra e a colheita que você toma por força para possuir a terra. Israel não possuía a terra quando os grãos cresciam e assim não pode trazer o Omer dela, porque ela não é deles. O Omer deve ser trazido como grão que é possuído por Israel através de herança da terra como um símbolo da promessa a Abraão. Estes grãos não eram parte daquela promessa e podiam ser comidos sem o movimento do Omer.
Como pode ser visto eu apresento muitas dúvidas sobre usar Josué 5 como um texto de apoio para provar que o Omer pode ser trazido no 15º dia do primeiro mês. Isto não significa que a manhã após o Shabbat não possa ser o 15º. O ponto aqui é demonstrar que usar o texto de Josué para apoiar o argumento apresentado em questão, nós não podemos especular sobre o texto e pensar que ele apoia nossa ideia se ele não é explícito. Josué é um livro bem tecido que foca sobre o ponto “a conquista”. Outros pontos são apresentados como necessários e o texto não fala de ações se elas não contribuem para o enredo.